A enclavar desde 2005

«São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim, porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.»
Professor Agostinho da Silva





06 novembro 2013

O tal artigo que publiquei no diário asBeiras em 2010





Durante anos, ex-directores regionais de educação, ex-deputados e outras pessoas influentes no meio político, conseguiram abrir colégios privados (que rapidamente se transformaram em estabelecimentos de ensino cooperativo). 

Colocavam lá os professores que queriam, sem concursos nacionais, efectivavam alguns e punham outros a circular de 3 em 3 anos para não terem que os colocar nos quadros. Criavam regulamentos internos com características muito específicas e geriam como entendiam cerca de 130 mil euros por cada turma (verba patrocinada pelo Estado e bastante acima da média do ensino público – 95 mil euros). 

Com os subsídios que o Estado (todos nós, portanto) dava, iam comprando autocarros novos para fazer o transporte dos alunos, pianos para embelezar os átrios, dotavam os espaços com plasmas, obras de arte nas paredes com pinturas diferenciadas, obviamente aspectos relevantes para quem lá estuda e respectivos encarregados de educação. 

A vertente pública apenas sobressaía na hora de receber os subsídios, pois nos restantes casos, inclusivamente a admissão de alunos ou os aspectos disciplinares, eram tratados como se de colégios privados se tratasse. São falados casos de recusa de admissão de alunos por alegada falta de capacidades intelectuais, expulsões (naturalmente para as escolas públicas) de alunos mal comportados e tentativas de coação para transferir de escola, mudar de curso, matricular noutros estabelecimentos... enfim, seleccionar a sua "elite". 

Alguns nem sempre mostraram muito respeito pelos superiores interesses das crianças e jovens, imitando quem varre o "lixo" para a porta do vizinho. Obviamente que tratando-se de pessoas, corrigi-las, encaminhá-las e apoiá-las sai caro aos colégios (vencimentos a psicólogos e/ou outros técnicos além da imagem sofrer com a permanência de meninos que nem parecem de colégio). 

Nos últimos anos a escola pública não tem dinheiro para comprar papel higiénico, ou para pagar a internet (escolas do 1º ciclo, principalmente), não tem dinheiro para contratar professores da educação especial ou de apoio pedagógico para os meninos com necessidades educativas especiais, mas em compensação, os colégios continuaram a construir pavilhões novos e a criar uma imagem de luxo nos corredores e salas de aula

Parece que agora chegou a vez de “reduzirem o caudal da torneira” aos colégios privados (muitos em espaços geográficos rodeados por escolas públicas "às moscas") e é ver os ex-directores regionais de educação, poderosos membros do Clero e ex-deputados a incentivarem os alunos e os pais a manifestarem-se em defesa dos seus colégios, quando nunca se preocuparam com os cortes na escola de todos

Concordo que haja ensino privado, mas a pagar, como na saúde. Afinal se compararmos o Centro Hospitalar de Coimbra (Covões) com o Centro Cirúrgico, apenas terão em comum a freguesia onde se encontram, pois o luxo, a modernidade e principalmente o preço a pagar, nada têm de semelhante. Quem quer que os filhos frequentem o ensino privado, não deverá pagar, pois quando querem uma consulta ou um internamento no sistema de saúde privado, também pagam (e não bufam!). 

Durante décadas houve colégios privados em que os pais pagaram para os filhos lá estudarem (acham que o Rainha Santa fechará? Ou o João de Deus? Ou o S. Teotónio? Ou dezenas de outros pelo país? Não! Porque os directores são poderosos, os pais também e em última análise, não se importam de pagar). 

Alguns encarregados de educação que não falham a uma "iniciativa S.O.S.", preferem olhar para o seu umbigo e apoiar quem sempre esteve habituado a conseguir o que queria através dos jogos de influência que as suas posições sociais (e políticas) permitiam. Que sociedade é esta em que os pais transmitem aos filhos que acima do bem comum, estão os nossos interesses pessoais? São esses os valores egoístas que querem transmitir aos vossos filhos? "Desde que eles se safem, os outros não importam!".

Os donos do Colégio de S. Martinho fotocopiaram a página do jornal em tamanho A3, sublinharam as frases mais marcantes e afixaram por lá, destacando igualmente o meu nome, enquanto autor.

Cheguei a receber telefonemas a ameaçar com tribunais, pois o marido de uma das ex-directoras regionais de educação foi juiz.

Perante alguns olhares de soslaio, mas também alguns cumprimentos  parabéns pela coragem, fiz como o cavalo do 4 de Julho (na América, claro).

Há cerca de um ano, num evento de cariz académico estive à conversa com o autor do estudo - Doutor Rochette que me contou ter sido ameaçado fisicamente por alguns pais e outras pessoas interessadas em que o regabofe continuasse.

Ele tinha conhecimento do episódio que me envolveu e até agradeceu finalmente encontrarmo-nos e podermos trocar opiniões.

Pior do que os donos destes colégios, que conseguem lucros fabulosos às custas dos contribuintes, pior que os professores e funcionários que lá trabalham que apenas lutam pelo seu posto de trabalho, pior que os dirigentes políticos deste país que insistem em beneficiar os grupos económicos (onde terão interesses pessoais a médio/longo prazo), são alguns pais!

Muitos deles professores do ensino público e todos eles muito defensores do estado social e dos serviços públicos, mas na hora de escolher... o conforto acaba sempre por prevalecer às ideologias e aos valores morais.

Por cada criança que estuda num destes estabelecimentos, são milhares de euros que ajudam a enriquecer os seus donos, à custa de depauperar a escola pública - que se vai degradando até ser completamente imprestável.

Fazer mais alguns quilómetros por dia e ter mais participação (leia-se trabalho) no acompanhamento do seu filho afinal não são coisas assim tão más, quando está em causa o futuro da educação em Portugal, a justiça e no fundo, a riqueza de cada um de nós.

Continuo a defender que haja ensino privado, mas que sejam os pais dos alunos que o frequentam a pagá-lo!

P.S. - para quem não sabe, o feriado dos E.U.A. comemora-se a 4 de Julho (dia da independência em que ocorrem inúmeros desfiles) e há uma expressão que se utiliza por lá "cagando e andando como o cavalo no 4 de Julho"

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