A enclavar desde 2005

«São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim, porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.»
Professor Agostinho da Silva





09 março 2015

Da vida...

«Vou falar-vos de um curioso personagem, Jeremias o fora-da-lei...

Descendente por linhas travessa do famigerado Zé do Telhado.»

Assim começa a canção do Jorge Palma, mas hoje resolvi finalmente escrever sobre um dos meus meninos!

Não coloco aspas, pois se não é meu, não é de mais ninguém, acreditem!!! E só tenho pena de não ter conseguido que fosse mais meu ainda.

No início deste milénio, chega uma fratria onde as duas meninas são as mais velhas, embora a diferença de idades entre todos não fosse grande.

Algumas marcas (cicatrizes) provocadas por maus tratos (até queimaduras de cigarros) estavam presentes, nuns rostos trigueiros e sob uns cabelos negros e encaracolados.

O mais novo, acabou por ser adoptado, as irmãs, com rebeldia, mas menos comprometimento cognitivo, lá seguiram a vida delas (não estando bem, também não estão "perdidas").

Já perceberam que me vou centrar no 2º mais novo. Rapaz de mil talentos - cantarolar (apesar de voz rouca desde pequeno), dançar hip-pop, música africana, ou mesmo gipsy kings, era com ele.

Na bola dava uns toques e apesar da higiene não ser o seu forte, era bem aceite por todos (com as escaramuças próprias da idade).

Nunca teve muita ligação às origens étnicas (mãe cigana e pai Cabo-verdiano) e socializava nesta nossa sociedade multicultural, sem problemas.

Aos 13, 14 anos marcou-me a forma como com a cara cheia de sangue, a roupa tingida do líquido vermelho e as sapatilhas (ainda hoje as consigo ver, basta fechar os olhos) tentou explicar "stor, eu dei-lhe beijinhos, disse que gostava dela e tentei que ela vivesse".

Presenciou um acidente mortal na linha de caminho de ferro, tendo ainda acompanhado os minutos de agonia da infeliz amiguinha (um dia ainda escreverei sobre ela) que jazeu no local, antes de ir pedir ajuda, de noite, num local mal iluminado.

Mostrava alguma rebeldia, mas igualmente um coração bom - não tenho dúvidas!!!

Aos 15 anos surge um irmão mais velho ("meio-irmão", suponho), que sendo militar de carreira, resolve levar o rapaz e "fazer dele um homem".

Nos primeiros meses as coisas corriam bem, até que uma missão no estrangeiro deixou o moço sozinho, com a cunhada (grávida, logo mais frágil) numa zona frequentada por vários "desocupados" que se dedicam à delinquência.

Pelo que soube, o caminho foi sendo este até que, poucos meses depois surge o acontecimento da vida dele - com direito a capa de jornal nacional e "honras" de telejornais.

Aos 16 anos de idade, cometeu um crime (pelos vistos 4, mas todos no mesmo momento e local) que o levou a ser condenado a 29 anos de prisão.

Família, AMI, a instituição que o criou até à adolescência??? Pois...

Apenas um advogado oficioso (nomeado pelo Estado, quando as pessoas não têm dinheiro para pagar a um) e embora sendo primário (não tinha qualquer condenação), só o cúmulo jurídico lhe valeu a redução para 21 anos de prisão efectiva.

Não consigo imaginar o que seja aos 16 ser-se condenado a 21. Não consigo!!!

O que ele fez foi errado e teve consequências muito graves. Mas aos 16 anos (com algum comprometimento cognitivo e com as vivências anteriores que descrevi), não podia ter a plena consciência do que estava a fazer. Não de todo!!!

Está contextualizado, mas um destes dias, falarei da visita que lhe fiz recentemente. 

A única que recebeu nestes 4 anos de clausura...

6 comentários:

Buxexinhas disse...

:( Fiquei com um nó na garganta... Consigo perceber, ou tentar, o que sentes. Angústia, impotência... Espero que os caminhos se endireitem... Muitos beijinhos! És uma grande Homem!

Super-febras disse...

João Pedro

A imbecilidade de uma sociedade, de um sistema judicial e de um juiz fora de prazo que condena um jovem de dezasseis anos a vinte e um de cadeia é o resultado dois mil e tal anos depois, das mesmas continuarem chamando pelo alguidar , a, em água surrenta lavar as mãos.
Condenam-se os profetas à morte para que não mude o status-quo e se permita à elite e seus sacerdotes o bem estar e estatuto pleno. Condenam-se os delinquentes especialmente os jovens delinquentes a penas de prisão pois retirando-os da nossa vista também se vão do nosso coração, e assim também do peso da nossa consciência por termos falhado como sociedade na sua protecção e educação . Preferimos usar preciosos recursos no encarceramento. Recursos que podiam ser usados em educadores e pessoal de serviços tecnicnos e de apoio social são gastos em policiamento, tribunais e gentes que vestem robes tapando os furúnculos e nódoas da lei, guardas prisionais mal pagos que para conseguir educar os seus filhos, não vão eles também um dia cair nas mãos do sistema, fornecem aos reclusos entre as grades, o álcool, o axixe e a Eroína...
Condenar um adolescente a vinte anos de cadeia é uma sentença vitalícia. É condená-lo a "perder-se". E é acredites ou não aumentar o perigo de reincidência criminal ou seja a hipótese de que um de nós venha a ser vítima .
Mas não é isso que merecemos?

Um abraço
Alvaro José

JPG disse...

Obrigado priminha, mas olha que não sinto uma pontinha de orgulho em tudo isto.

Talvez nas cenas dos próximos episódios, sinta. Mas pelo que até aqui descrevi...

Beijinhos

JPG disse...

Bem verdade Álvaro!

No entanto, embora seja uma pena demasiado pesada, principalmente ao ser aplicada a um menor, as consequências do seu acto e na conjectura de insegurança, com o grassar de crimes violentos que se vivia... não foram caso único.

Alternativas precisam-se urgentemente!!!

P.S. - apostar cada vez mais na prevenção e fazer com que a vida faça sentido a tantos meninos e meninas, é a que tento aplicar

Anónimo disse...

O Sr é tão bonzinho, é uma caixa de pandora, então e se esse crime tivesse como consequencia,o sr perder o que mais gosta?
huups?
Deixo isso na sua cabeça.
Esqueça as gabanices, e seja um homem sincero, estamos fartos dos seus autos elogios.

JPG disse...

Caro "Anónimo", "autos elogios" não conheço, mas atendendo a todo o raciocínio que evoca no comentário... vou tentar perceber.