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«São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim, porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes: a de se não conformarem.»
Professor Agostinho da Silva





12 setembro 2015

Como nos viam há 50 anos...

(A emigração portuguesa,vista por um Francês em 1969)


"São esquisitos, baixos e com bigodes e barbas. Chegam, na esmagadora maioria, homens. Elas, quando vêm, cobrem os cabelos com panos e não usam saia acima do joelho. Muitas são proibidas pelos maridos de cortarem o cabelo. Por vezes, eles ameaçam-nas com uma chapada ou um murro; elas, subservientes, baixam a cabeça e colam as mãos ao ventre. Trazem com eles uma paixão fervorosa pela religião. Usam colares com o símbolo das suas crenças e são capazes de dar mais do que têm para que o seu local de culto, na sua terra natal, tenha um relógio ou um telhado novo. Rezam, pelo menos, de manhã e à noite. Se puder ser, ao final da tarde, cumprem mais um ritual.

Chegam sem falar uma palavra da nossa língua. Parece que fogem de uma guerra qualquer lá no país deles, da fome e da miséria. Não têm, por isso, noção de amor à nação. Fogem em vez de defenderem o seu país e lutarem por uma vida melhor lá, na terra deles, vêm para aqui sujar o nosso país com a sua imundície. Atravessam países inteiros a pé ou à boleia para chegarem aqui. Pagam milhares para saírem do seu país e vêm ficar na miséria. Alguns têm muitos filhos, muito mais do que aquilo a que estamos habituados. Deixam-nos sozinhos ou com os irmãos mais velhos, que não vão à escola. Mas são muito trabalhadores.

Bem, na verdade, não roubam exactamente o nosso trabalho, porque aqui há leis que não nos permitem trabalhar 18 horas diárias, embora isso exista e dê jeito a alguns patrões. Mas de certeza que nos roubam qualquer coisa. São diferentes de nós e isso causa-nos má impressão.

Não são muito limpos, cospem para o chão e as suas maneiras em público deixam muito a desejar. Vivem em bairros de lata que mais parecem campos de refugiados. Não sei como conseguem. Se é para viverem na miséria, mais valia ficarem na terra deles."


Diário de um Parisiense,1969

1 comentário:

Super-febras disse...

Tenho dito por aqui a alguns intolerantes luzidias, que também nós quando por aqui começámos a chegar parecíamos e éramos muito diferentes. Bastava o trajar para causar suspeita. O cachené, o avental, a boina e os penteados eram o que bastava para, indentificando-nos, causar pressentimento, desconfiança, descriminação e principalmente nos que são doentinhos ou incultos o boato, o racismo e o ódio.
No entanto terei que afirmar que não chegávamos a procura de subsídios mas sim de trabalho, não escolhíamos aquilo que nos davam e na maioria dos casos éramos nós que oferecíamos o pouco que na nossa mesa havia aos nossos visinhos com quem nem sabíamos falar, aceitávamos que em Roma éramos Romanos e muitas vezes para não violar as leis dos que nos recebiam ignorantemente padecíamos sem exigir aquilo a que tínhamos direito. Alguns de nós por saudades àquilo que por aqui não havia, especialmente as relações humanas, ou por não aceitarem a sociedade que os acolhia regressavam, muitas das vezes sabendo o escárnio que os esperava, com o rabinho entre as pernas, uma mão à frente outra a traz. Nunca exigindo mudanças ou causando medo com ameaças de terror.
Em 1979 quando aqui cheguei depressa aprendi que quando procurásse trabalho (pois por aqui os empregos são escassos e o trabalho é muito) sempre mencionar que era Português. Isso muitas das vezes bastava e se não bastasse era pelo menos meio caminho andado. Tal não foi e continua a ser a nossa contribuição na sociedade que nos acolhe. Imagino eu que hoje com os nossos novos emigrantes altamente educados nas técnicas e ciências um dia destes não seja a nossa força braçal mas sim a nossa sapiência a razão para nos sentirmos orgulhosos como povo Luso de Norte a Sul e a qualquer longitude terrestre.

Um abraço
Álvaro José